folar sem folgar

A vida no campo é uma felicidade.
Lá foi a fada passear à serra de visita à sua estrepitosa afilhada, no contexto de uma celebração muito apropriada à Páscoa: a noite dos Folares!
Já vos contei aqui algumas das incríveis façanhas e invejáveis dotes fado-do-lar do meu compadre (exemplo #1 e exemplo #2), mas desta vez excedeu-se...
De certeza que o frio também serviu de desculpa para não sair da frente do forno de lenha, mas passar lá 18 horas (DEZOITO!) a cozer folares, chega para bater qualquer recorde do Guinness. Apenas com um ajudante, das 10h da manhã às 04 da madrugada, preparou, misturou, amassou e sovou 7 quilos de massa! Depois de levedada (2 alguidares de barro gigantescos), tendeu a massa e preparou uns meros 17 folares para o forno (!!!! contei assim a olho nú, mas pode ter escapado algum).

A receita preparada não foi a dos tradicionais folares com os ovos cozidos, mas sim uma especialidade algarvia, escura, densa e pegajosa. Uma mistura de farinha, canela, açúcar, manteiga, ovos, leite, vinho do porto e chá feito com erva doce, anis estrelado e paus de canela.
Antes de ir ao forno ainda é tudo besuntado e enrolado em açúcar amarelo, muuuuuuita canela e mais manteiga para criar um melaço/caramelo de fazer lamber os dedos. Divinal!

No meio de tamanha tarefa de Hércules, e rentabilizar os "momentos mortos", ainda foi preparando uns petisquitos para aproveitar as preciosas brasas que tudo assaram num piscar de olhos.
A saber: uma bôla salgada suficiente para alimentar um exército, vários chouriços, alheiras, farinheiras e afins, uns franguitos, uma travessa de borrego e uns quilitos de febras e entremeadas. Para acompanhar: pão e broa. Tudo para aconchegar o estômago dos convivas e fazer uma caminha para os tão ansiados folares, os reis da noite, pois claro, (entre outras sobremesas avulsas...ai...).
Adiante, pessoalmente fiquei sinceramente feliz por ter sobrevivido até ao dia seguinte sem o meu estômago (e cérebro) ter entrado em completa apoplexia.

De qualquer forma, chegados a sexta-feira santa impôs-se uma certa parcimónia. Com menús normalmente inexistentes na rotina da fada, como o pequeno-almoço – com folar – e almoço – com folar à sobremesa, pouco depois das 19 horas teve início o lanche ajantarado... Mas nada de excessos, convenhamos, e assados sumptuosos nem pensar!
Pronto... foram só uns quantos (muitos) quilos de amêijoas, conquilhas e camarões... Acompanhamentos e outros delicatessen à parte, deixo-vos adivinhar o momento dos doces.
Errrrrr, ainda com alguma hesitação confesso que, para o regresso à cidade, a comadre me preparou o farnel (para um mês), e ali na minha cozinha exibo com orgulho UM LINDO FOLAR com um laçarote verde, muito borrego, muita bôla e uma alheira. E mais não veio porque não deixei.
Ah... e a caixa das amêndoas de chocolate, essa, já vai a meio e está aqui ao lado do computador... BONC!

Não restam dúvidas que para a fada os preceitos da época alteraram-se radicalmente.
Sabem... aquela coisa do jejum... na pré-Páscoa?... Pois, passou definitavamente a PÓS! %-|